Eye-Tracker: O 'Microscópio' da Leitura para Melhorar o Ensino de Línguas

CONECTA: UM MICROSCÓPIO PARA AJUDAR A LER E ESCREVER?

Colunista apresenta o uso do eye-tracker ou rastreador ocular na pesquisa sobre leitura. O equipamento permite monitorar a cognição visual em tempo real através do olhar

O uso do microscópio revolucionou as aulas de biologia. As aulas práticas nas escolas que possuem um laboratório de ciências são sempre recebidas com entusiasmo pelos alunos. Em vez de copiar as ilustrações sobre o interior de uma célula, que o professor tenta reproduzir no quadro negro, pode-se ver diretamente as células de uma cebola, por exemplo! Ou pode-se explorar o mundo maravilhoso insuspeito em uma simples gota d’água. Com sorte, além de bactérias, protozoários e pequenos crustáceos, pode-se visualizar até um tardígrado, um animalzinho milimétrico capaz de sobreviver nas condições mais extremas de congelamento, ebulição ou mesmo radiação.

Se os professores de ciências já puderam dispor de microscópios – pelo menos desde o século XVII, quando o holandês Van Leeuwenhoek inventou um tubo com lentes capaz de magnificar objetos naturais invisíveis ao olho nu até 270 vezes – o que dizer dos professores de línguas, que têm o desafio de motivar seus alunos a se tornarem bons leitores e escritores? Haveria uma ferramenta que pudesse magnificar o processo de leitura, no momento mesmo em que esse ocorre? Para a surpresa de muitos, um microscópio da cognição visual, que captura cada fixação do olhar, existe sim! Embora ainda não tenha sido integrado às práticas escolares, esse equipamento faz parte dos laboratórios de linguistas, psicólogos e fonoaudiólogos há várias décadas. É o eye-tracker ou, em bom português, o rastreador ocular ou monitorador visual.


No final do século XIX, o oftalmologista francês Louis Émile Javal, usando lentes engenhosamente acopladas a espelhos, conseguiu observar o processo da leitura, a olho nu, fazendo uma descoberta fundamental sobre a cognição visual humana: ao contrário do que parece, nossos olhos não deslizam suavemente ao longo de uma linha de texto, mas alternam rapidamente fixações e movimentos. Isso acontece porque a fóvea, uma área do olho humano localizada no centro da retina, é a única que possui cones – células especializadas, que analisam a informação visual em grande detalhe.

Essa análise de alta resolução está limitada, no entanto, a cerca de 1 a 2 minutos de grau. Assim, para obter acuidade visual de qualidade, é preciso fixar, refixar, fixar, refixar, em uma velocidade que pode chegar a 500 graus por segundo! Tão rápido, que temos a ilusão de que nossos olhos percorrem continuamente textos e imagens, sem pausas, assim como a repetição de fotogramas em um filme causa a impressão de movimento contínuo no cinema. A partir da pesquisa pioneira de Javal, a técnica de rastreamento ocular se desenvolveu muito, havendo hoje a possibilidade de contarmos com equipamentos de alta tecnologia, capazes de rastrear minuciosamente nosso olhar durante a cognição visual.
O eyer-tracker vem sendo usado em diversas aplicações, 
como em pesquisas sobre o desempenho esportivo e de mercado.

Esses equipamentos vêm conhecendo uma ampla gama de aplicações, na medicina, na pesquisa linguística, no treinamento, nos esportes, na publicidade etc. Em publicidade e no treinamento esportivo, costuma-se utilizar rastreadores vestidos como óculos, que permitem identificar com precisão o olhar de pessoas em movimento. Na pesquisa de marketing, pode-se descobrir, por exemplo, que produtos são mais visualizados nas prateleiras do supermercado. No treinamento esportivo, ficou famosa a descoberta de que, durante a partida, o jogador Cristiano Ronaldo olha, frequentemente, menos para a bola em si, do que para o local onde ele prediz que a bola chegará, o que lhe dá um diferencial importante em relação a outros jogadores que mantêm o olhar sempre na bola. Esta informação passou, então, a ser considerada no treinamento dos jogadores.

No presente artigo, vamos discutir o uso dos rastreadores oculares na área da leitura e propor a sua utilização inovadora como uma ferramenta pedagógica na escola. O Laboratório de Psicolinguística Experimental (LAPEX) da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi pioneiro na introdução da técnica de monitoramento ocular na pesquisa linguística no Brasil. Em 2004, eu e os professores Miriam Lemle e Aniela França, pudemos observar os detalhes da leitura de palavras em português, usando um equipamento ViewPoint 60Hz, descobrindo, por exemplo, que palavras com sufixos requerem mais fixações, ou seja, paradas do olho sobre um ponto, do que palavras indivisíveis.


Acima, sixações oculares em palavras sem sufixo (madura) e abaixo com sufixo (feiura).


Observe que a palavra “feiura”, sendo formada pelo adjetivo “feio” + o sufixo “ura” recebeu duas fixações, uma na raiz e outra no sufixo, conforme indicado pelos círculos verdes na imagem. Já uma palavra com o mesmo número de letras e de sílabas, como “madura”, proveniente do latim maturus, matura, que é indivisível — pois a terminação “ura”, nesse caso não é um sufixo, mas parte da raiz — recebe apenas uma fixação, já que não há morfologia para computar. Esta observação do movimento dos olhos na leitura só foi possível porque pudemos dispor desse microscópio dos processos visuais, que é o eye-tracker!

O LAPEX tem também estudado os padrões de fixação ocular na leitura de frases. Usando o rastreador ocular Tobii TX300Hz, Sara Ribeiro, em sua dissertação de mestrado, orientada por este que vos escreve, descobriu, por exemplo, que os alunos de curso superior fixam mais vezes e por mais tempo as orações principais do que as orações subordinadas adverbiais, em períodos compostos por duas orações, como em: “Olhe para o galo, depois de olhar para o rato”. Nesse período, a oração “depois de olhar para o rato” é subordinada à principal, que é a oração “Olhe para o galo”. Note que a oração principal poderia até ocorrer isoladamente e ainda faria sentido, enquanto que a subordinada depende da principal para fazer sentido. Não se poderia dizer apenas “depois de olhar para o rato”, sem incluir a principal, pois esta oração é subordinada à principal, identificando uma relação de tempo. Sara descobriu que a oração principal é mais fixada do que as subordinadas pelos bons leitores, mesmo quando ocorre no final do período.


Para saber mais acesse no link abaixo.

http://cienciaparaeducacao.org/blog/2017/03/13/conecta-eye-tracker-um-microscopio-para-ajudar-a-ler-e-escrever/

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